Cedoc/ RAC.Fonte :jornal Correio Popular de Campinas.-29 de agosto 2016
Complexo Penitenciário de Hortolândia: prisões da Região Metropolitana de Campinas operam 77% acima da capacidade máxima, comprometendo a segurança e a integridade dos presos
O sistema prisional da Região Metropolitana de Campinas (RMC) opera 77% acima da capacidade máxima. São 7.122 vagas para 12.625 presos. Um déficit de 5,5 mil vagas. Em algumas unidades, como os Centros de Detenção Provisória (CDPs) de Campinas e de Hortolândia, esse percentual chega a 140%.
A abertura de 20 novos presídios no Interior do Estado nos últimos seis anos não ajudou a aliviar o problema e também já estão superlotados. Quem tem acesso a essas unidades fala em “situação deprimente, abandono e estocamento de presos”. O problema também se reflete nos trabalhadores que atuam em nível elevado de estresse e tensão.
Dos 20 presídios inaugurados de 2010 para cá, 18 estão superlotados de acordo com dados divulgados pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) no dia 22. Foram abertas 17.613 novas vagas nessas unidades, mas atualmente, elas trabalham com 26.943 detentos — um excedente de 9.330 pessoas, o correspondente a 53%. Seriam necessários construir outras 11 novas prisões com capacidade para 847 vagas que atenderiam no limite a essa demanda excedente.
Apenas as penitenciárias de Florínea e de Piracicaba operam com vagas “sobrando”. A unidade de Piracicaba, inaugurada no mês passado, oferece 847 vagas e opera com uma população de 356 detentos. Florínea foi inaugurada em fevereiro de 2016 com a mesma quantidade de vagas e está com 306 detentos.
Algumas das demais, já trabalham com o dobro da capacidade, como é o caso da penitenciária de Taquarituba, inaugurada em 2014, que tem 847 vagas e trabalha com 1.535 detentos. A penitenciária de Bernardino de Campos, também com 847 vagas, opera com 1.622 presos.
RMC
Na RMC há nove unidades prisionais, incluindo penitenciárias, CDPs, Centros de Progressão Penitenciária (CPP) e Centros de Ressocialização, nas cidades de Campinas, Hortolândia, Americana e Sumaré.
Nesses locais são oferecidas 7.122 vagas, mas elas abrigam uma população de 12.625 detentos, ou seja, 5,5 mil presos a mais, (77,2% excedente). A situação mais crítica está nos CDPs, onde há quase três presos para cada uma das vagas oferecidas. Em Campinas, por exemplo, são 1.976 detentos ocupando 822 vagas (140%). Na RMC, essas unidades foram inauguradas entre 1986 e 2004.
Rebelião
A superlotação e maus tratos foram apontados como motivos da rebelião na Penitenciária 2 de Hortolândia, em julho, quando três agentes foram mantidos reféns por cerca de 20 horas. Os presos também danificaram a estrutura da unidade. Projetada para 855 pessoas, ele operava na ocasião com 1.897 detentos.
De lá para cá foram transferidos 383 presos. O problema é que dos seis pavimentos onde eles ficavam antes da rebelião, dois estão passando por automatização e outros dois estão esperando reforma porque foram destruídos.
Desta forma, os 1.514 presos estão confinados em dois pavimentos, segundo informou Antônio Pereira Ramos, presidente do Sindicato dos Agentes de Escolta e Vigilância Penitenciária do Estado de São Paulo (Sindesp).
Segundo Ramos, o Grupo de Intervenção Rápida, criado no Estado para intervir pontualmente em situação de anormalidade nos presídios está dentro da P2 de Hortolândia desde o dia da rebelião.
“Estão lá para garantir a segurança porque está tudo quebrado e os presos amontados num lugar só, em condições precárias, piores do que estavam. Isso afeta não só o preso, mas os funcionários, que vivem em uma situação de tensão, dificuldade, elevado estresse. A situação fica mais insalubre do que já é e desumana”, afirmou. Segundo ele, o déficit dos agentes penitenciários é em torno de 30% e dos agentes de escolta em torno de 40%. “Somado com a superlotação é um problema gravíssimo”, afirmou.
Os sindicatos da categoria planejam uma manifestação nos próximos dias para pressionar o governo sobre a situação.
Em visita à região, na ocasião da inauguração do presídio de Piracicaba, o secretário de Estado da Administração Penitenciária, Lourival Gomes, foi questionado se os presos da P2 de Hortolândia seriam transferidos para a nova unidade e ele comentou que ‘quem quebra tem que ficar onde quebrou porque não é justo quebrar uma penitenciária e ir para uma novinha’.
Ele afirmou que a reforma da unidade ficaria pronta até a primeira quinzena de setembro e que a partir de então o acesso aos presos deveria ser dado através da automatização das portas, de modo que os agentes não precisarão mais abrir as celas.
Outras 18 unidades prisionais estão sendo construídas no Estado, uma delas fica em Limeira, que terá capacidade para 847 presos. No total, incluindo Limeira, serão 13.497 vagas.
A Secretaria de Administração Penitenciária foi procurada para comentar a superlotação, mas não houve retorno.
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Especialistas defendem investimentos na prevenção
Os especialistas falam em penas alternativas, mudança na cultura do aprisionamento e investimentos em educação, cultura e lazer para romper com esse ciclo. “Enquanto não houver mudança de cultura, prevenção, investimento em educação, o governo vai continuar construindo presídios e eles vão continuar superlotados. A sensação que eu tenho é essa, que veio sendo construída ao longo de 25 anos de carreira pública trabalhando nessa área”, afirma o defensor público Elpídio Francisco Ferraz Neto.
O defensor visita semanalmente as unidades e classifica a situação dos presos que vivem lá como deprimente, especialmente no regime fechado.
“Como costumam dizer, estão estocados. A sensação de abandono é uma fala recorrente do preso. Esse tipo de experiência não é construtiva. Uma vez encarcerado você está inserido em um ambiente completamente artificial e para poder se preservar você tem que se aliar, se associar à força, ao poder. E o poder não está na mão de uma pessoa que tenha a intenção de resgatar você daquela situação, está na mão do crime organizado. Uma vez alistado pelo crime organizado é difícil sair. E a conversa que diariamente rola dentro da cela é sobre crime, sobre o que você fez, como fazer tal coisa, suas credenciais dentro da criminalidade, não é nada positivo”, comenta.
Pena alternativa
Ele afirma que as penas alternativas são uma substituição a pena de prisão, mas não existe o cumprimento na maioria dos casos e falta fiscalização. Ele defende que o grande passo para desafogar os presídios seria criar equipamentos de lazer, de cultura, de educação em pontos estratégicos.
“Não vou dizer periferia, mas onde se percebe superabundância de incidências criminais. Educação, lazer e cultura têm demonstrado serem muito eficazes no combate à criminalidade. Isso não é teoria. É fato comprovado”. Ele fala ainda em campanhas massivas contra as drogas, principalmente o crack, que se tornou um problema de saúde pública, e tratamento para viciados.
Presidente do Sindespe, Antônio Pereira Ramos diz que a questão não está restrita aos presídios.
“É uma questão do governo investir no social. Não adianta só ter a política de repressão, encarceramento e não ter a política de inclusão social. É preciso voltar o trabalho para prevenção. No mesmo período em que o governo inaugurou uma quantidade expressiva de presídios, o investimento em educação, inclusão social, construção de universidades no Estado foi praticamente zero”, completou.