Gabriel Castro, de Brasília
A Câmara dos Deputados ultrapassou, nesta quarta-feira, 28/agosto, todos os limites do ultraje. Numa decisão sem precedentes, mesmo para uma Casa acostumada a sucessivos escândalos, os deputados decidiram manter o mandato de um presidiário condenado a 13 anos e 4 meses de prisão. Natan Donadon (sem partido-RO), que respondia a um processo de cassação, escapou da perda de mandato porque não foi atingido o número de 257 votos necessários para a cassação. Foram 233 votos a favor, 131 contra e 41 abstenções. O alto número de ausências (108 parlamentares, de 513, simplesmente não votaram) também contribuiu para o vexame.
Por causa do voto secreto, nunca se saberá quais foram os parlamentares que ajudaram a construir o resultado inadmissível. Na tribuna do plenário, só se ouviram discursos a favor da punição do parlamentar, condenado por peculato e formação de quadrilha. A palavra constrangimento foi a mais repetida pelos deputados em seus discursos. Mas, em decisão inédita, a Câmara criou o primeiro deputado encarcerado do Brasil. Donadon passa a ser um preso com mandato: ele não tem direitos políticos, mas continua deputado. No final, faltaram parlamentares com coragem, ética e respeito pelo povo.
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Assim que o resultado foi comunicado, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), anunciou que estava afastando Donadon do exercício do mandato. Alves convocou o suplente, Amir Lando (PMDB-RO), para tomar posse a partir desta quinta-feira. A atitude do presidente, na prática, retira de Donadon o direito a salário, benefícios parlamentares ou contratação de assessores. A decisão deve ser questionada pela defesa do parlamentar-presidiário.
“Uma vez que, em razão do cumprimento da pena em regime fechado, o deputado Natan Donadon encontra-se impossibilitado de desempenhar as suas funções, considero-o afastado do exercício do mandato e determino a convocação imediata do suplente”, anunciou Alves.
Traição – Parlamentares de várias legendas se pronunciaram, em meio a um plenário esvaziado, após a decisão. “Isso foi uma traição enorme não só ao parlamento, mas à população”, afirmou Ronaldo Caiado (GO), líder do DEM. “É uma irresponsabilidade o que a Câmara acaba de fazer”, criticou Rubens Bueno (PR), líder do PPS.
Depois da decisão, Donadon – que teve autorização judicial para comparecer à Câmara – ajoelhou-se e agradeceu aos céus. Em seguida, ele embarcou imediatamente em um camburão e seguiu para o presídio da Papuda, que é o seu lar há exatos dois meses. O ex-peemedebista cumpre, desde 28 de junho, pena de prisão. A decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que esgotou todos os recursos possíveis à defesa do político. O ex-parlamentar foi considerado culpado por peculato e formação de quadrilha.
Antes do fim da sessão, o presidente Eduardo Alves anunciou que, antes de colocar em votação qualquer novo processo de cassação, vai aguardar a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que extingue o voto secreto. “Não colocarei mais nenhum processo de cassação sob voto secreto nesta casa”, disse ele. Henrique percebeu o risco de absolvição já no início do processo de votação.
Histórico – Eram necessários 257 votos (a maioria dos 513 deputados) a favor da cassação para que a punição se concretizasse. Mas o número de parlamentares que registraram o voto ficou abaixo do esperado: na primeira hora de uma votação que deveria ser rápida, menos de 400 participaram do processo de decisão – apesar de 469 deles terem ingressado na Câmara nesta quarta-feira. Temendo mais um episódio vergonhoso para a Casa, com a eventual absolvição de Donadon, o presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) não quis arcar sozinho com o risco e anunciou que esperaria até as 23 horas para que os parlamentares ausentes comparecessem e registrassem seu voto. A sessão teve início antes das 20 horas, mas o quórum baixo se manteve, o que beneficiou Donadon.
Antes da votação final, a Câmara viveu um dos momentos mais constrangedores dos últimos tempos: o deputado chegou à Casa algemado – e escondido da imprensa. No dia em que completava dois meses de encarceramento no Presídio da Papuda, ele adentrou o plenário de terno, usando o broche de deputado, como qualquer outro detentor de mandato. Foi cumprimentado por alguns colegas. Entre eles, Sérgio Moraes (PTB-RS), aquele que certa vez disse estar “se lixando” para a opinião pública, e Eduardo Cunha (RJ), líder do PMDB.
Mensaleiros – A decisão também abre precedente para decisões favoráveis aos mensaleiros: hoje, quatro parlamentares condenados no processo do mensalão exercem o mandato, enquanto aguardam o fim da análise dos embargos pelo Supremo Tribunal Federal. José Genoino (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP) saem vencedores com a decisão pró-Donadon. Os quatro, aliás, se ausentaram na votação desta quarta-feira. A lista de ausentes também incluiu Paulo Maluf (PP-SP) e Jaqueline Roriz (PMN-DF).