Partes do texto final da Lei Orgânica da Polícia Penal invade competências da Polícia Civil, apontam especialistas.
Às vésperas ser sancionada “Lei Orgânica Polícia Penal ” é questionada .
O projeto de Lei Orgânica da Polícia Penal, aprovado na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), prevê uma estruturação ousada para a força. Especialistas afirmam que partes da mensagem original enviada pelo governo à Alerj em março e o texto final aprovado em junho extrapolam a definição constitucional da Polícia Penal e invadem competências da Polícia Civil.
Operações policiais em conjunto com outras forças de segurança, elaborar um termo circunstanciado de ocorrência — resultado de um registro de ocorrência, em caso de crimes com pena de até 2 anos — e repressão de infrações, entre elas o crime organizado e o tráfico de drogas, no sistema penitenciário podem ser incluídas entre as competências da Polícia Penal. O texto ainda não foi sancionado pelo governo.
O professor de Direito Penal do IBMEC, Taiguara Libano, avalia que há uma série de inconsistência no texto, no que diz respeito ao descrito nas constituições estadual e federal, que acabam esbarrando nas funções da Polícia Civil.
— O texto da Constituição delimita, porque a força não é judiciária nem investigativa. Sob esse aspecto, não caberia compreender no rol de competências, por exemplo, a confecção de termos circunstanciados na administração penitenciária — explica.
Questionamentos sobre as competências conferidas à Polícia Penal também foram feitos pela advogada Priscila Vilela, membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP:
— Via de regra, o texto está dentro do que prevê a Constituição Federal, mas pontos como o que define como função da Polícia Penal a realização de operações conjuntas, são passíveis de questionamento.
A Alerj informou que a Comissão de Constituição e Justiça buscou suprimir possíveis vícios de inconstitucionalidade.
A Seap (Secretaria de Administração Penitenciária)não quis se pronunciar sobre o texto porque “encontra-se em fase de pré-sanção pelo governo”. O governo do estado e a Secretaria de Polícia Civil não responderam às demandas da coluna até o fechamento desta reportagem.
Integrantes da Polícia Civil criticam
O texto também foi mal recebido por integrantes e egressos da Polícia Civil. Eles avaliaram que há uma série de trechos que dão margem para interpretações diversas e entram em terreno que seria da polícia judiciária.
O presidente da Associação de Delegados de Polícia do Rio (Adepol), Wladimir Reale, ressalta a importância da votação da Lei Orgânica da Polícia Penal, mas defende que pontos que avalia como controversos e de “natureza de inconstitucionalidade” sejam revistos, a exemplo de dispositivos que autorizam investigações e operações policiais pela Polícia Penal, de forma ampla.
— Um ponto inconstitucional é que a força faça procedimentos de característica investigatória, como termo circunstanciado de ocorrência dentro dos estabelecimentos prisionais. Tem investigações de competência penal que cabem enquadramento, mas está muito mais afeita a algo no campo da polícia judiciária, para efeito de interpretação e enquadramento criminal — explica.
O ex-delegado e advogado criminalista Marcus Nunes, por outro lado, acha que há possibilidade de vitória para os policiais penais sobre a confecção do termo:
— Vale lembrar que alguns tribunais pelo Brasil vêm decidindo pela possibilidade da Polícia Militar, que não exerce poder de polícia judiciária, de fazer termo circunstanciado de ocorrência. Em tese, é possível que os tribunais decidam a favor de policiais penais confeccionarem o termo.
Entenda como surgiu a discussão
A Polícia Penal foi criada em 2019, a partir de Emenda à Constituição Federal, com a função de segurança do estabelecimento prisional, e criada para abrigar os antigos agentes penitenciários e inspetores de administração penitenciária, além dos cargos técnicos. Em 2020, foi aprovada Emenda Constitucional estadual que cria a força no âmbito do Rio.